quarta-feira, 7 de julho de 2010

Quer ir ao cinema comigo?


Discordo de Sartre quando diz que o inferno são outros. Acredito cegamente que o inferno mora bem mais perto de nós do que imaginamos. Minha má fama de ser preocupada, patologicamente pontual - normalmente chego antes do programado -, sistemática e previsível já corre solta.
Acontece que, quando o assunto é cinema, esses meus traços tão pouco apreciados pela maioria dos meus amigos, potencializam-se bem e é aí que o bicho pega. Ir ao cinema para mim implica uma preparação para algo solene, tal uma noiva no dia do sim. E assim como o título da película do francês Serge Bourguignon, o evento acontece “sempre aos domingos”. Nesse dia, o cinema e eu temos um encontro marcado há aproximadamente uns bons doze anos. A essas alturas, sei que os psicanalistas e os psicanalisados de plantão acabaram de me diagnosticar. Sem problema, já esperava por isso. Bom, o fato é que no dia D, gosto de sair com antecedência, dirigir com calma, procurar pacientemente uma vaga para estacionar, caminhar tranquilamente até o meu templo sagrado, comprar meu ingresso e sentar para tomar um café. Depois, na hora de ir para a sala, gosto de entrar enquanto a tela está escura e as luzes ainda acesas. Sento na última fileira, não importa quantos degraus tenha que subir. Isso para evitar que os frequentadores que venham a se sentar na fileira atrás de mim fiquem empurrando com seus pezinhos a minha poltrona, fato bastante ordinário. De preferência, gosto de sentar bem longe de todo mundo e odeio quando chega alguém pontual ou atrasado e pergunta: “dá para pular uma cadeira?” Sem falar naqueles para quem cinema é sinônimo de restaurante, dando corda às salas de cinema que se comportam como tal. Continuando com a rabugice... e aquele barulhinho irritante dos saquinhos de balas? E as luzinhas dos celulares de quem vai ao cinema para mandar torpedos? Sem contar aqueles seres, que são muitos, diga-se de passagem, que vão ao cinema para colocar o papo em dia.
No fundo, todo o problema se resume ao fato de que não faço parte da amostra saudável de pessoas que afirma com satisfação que cinema com diversão é pleonasmo. Não concordo, cinema é coisa séria.
Pois é... monsieur Jean-Paul que me perdoe, mas no escurinho do cinema, o inferno sou eu mesma.

4 comentários:

  1. Somos!
    Deveríamos ir juntas, se meu ritual puder ser incorporado ao seu. Gosto de sentar no meio da fileira, porque detesto ver a tela de lado. Sempre fico até o final prá ver os créditos, porque, ao contrário do que o comportamento da maioria que ao sair da sala justamente nesse momento demonstra, é um importante pedaço daquela obra. Lá estão os responsáveis pelas partes que fizeram aquele todo acontecer. E eles trabalham muito duro prá chegar ali... Quem não gosta, e precisa ver seu trabalho reconhecido?
    E tem a trilha sonora. Última a ser revelada e definitivamente parte indispensável do filme e do meu ritual. Geralmente me leva à uma livraria, sedenta por comprar e levar comigo as músicas que ajudaram a contar mais uma história que entrou e que, provavelmente, vai se misturar a outras na minha memória não mais tão boa quanto há 20 anos... Recurso oportunista para alimentar pelo menos a memória afetiva do que eu não gostaria, mas não posso evitar, de esquecer.
    E claro, um último café, para as considerações finais!

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  2. AHahahah! Cada um tem o seu templo e seus ritos, mas só é possível socializar com base em códigos aceitos pelo grupo. Isso significa colocar, às vezes, o grupo acima do templo. Mas haverá sempre o grupo dos xiítas também... já o inferno é uma experiência pessoal e intrasferível - sempre - cabe a nós queimar estóicamente ou "tocar o puteiro" e botar os outros na panela também!
    Jorge Lúcifer.

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  3. Não, obrigada, agradeço teu convite, mas tu és muito chaaaata.
    Bjs

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  4. Com o recado da Maira lembrei daquela piada que vc me ensinou do elefante e da formiga...chaaata..rs Mas não te acho chata...e concordo com Sartre: o inferno são os outros sim!

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