domingo, 4 de julho de 2010
Os bichos dos meus livros de estimação
Lembro-me de todos os bichos da minha infância, de suas breves vidinhas e de suas mortes, sempre prematuras. Destes, trago muitas saudades e lembranças, mas o sofrimento de suas perdas foi acalmado pelo tempo. Agora, aqueles que foram personificados nos livros que li quando criança, estes se mantêm sempre vivos na minha memória e a dor de suas mortes foi recrudescida pelos recursos literários de seus criadores. Em "Meu Pé de Laranja Lima", José Mauro de Vasconcellos dá vida a uma árvore. O Pé de Laranja Lima era animado como um bichinho de estimação. Ele ouvia, falava, acalentava, oferecia seu regaço e amizade ao incompreendido e desamparado menino Zezé. Na solidão dos meus sete anos, sentada em um cantinho da biblioteca de meu colégio, chorava timidamente sobre as páginas que se seguiram ao corte da árvore de Zezé, as mesmas páginas onde escondia um rosto cheio de vergonha por estar ali chorando. Depois, foi a vez da Baleia, a doce e esperta cadela esquálida do igualmente morto de fome menino Fabiano em "Vidas Secas". Quando Graciliano põe o já tão sofrido menino Fabiano a se interrogar sobre a morte de Baleia, questionando se cachorros teriam alma e, presumindo que se por acaso tivessem, a alma da Baleia iria voar para um lugar repleto de preás; o danado do Graciliano conseguiu me infligir uma dor maior que Vasconcellos. No decorrer de minha vida, chorei incontáveis mortes de bichos, tantos que provavelmente não saberia referenciá-los todos aqui... uns meus, outros de amigos, alguns que conhecia só pelo nome e tantos outros da ficção. Hoje, bem distante dos meus sete, oito anos, continuo com a mesma sensação: os bichos inventados pelos seus criadores e mortos pelas tintas das suas penas provocam uma dor nada sútil, bem barulhenta e perene, talvez, simplesmente, por terem sido imortalizados naquelas páginas de pura beleza nos encontros inefáveis entre o humano e o não humano. Salve Baleia, Karenin e Quincas Borba, o meu e o de Machado!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Uma vez vi o Lobo Antunes dizendo que esse papo de que é Joyce, Henry Miller ou Dostoievski que fazem a gente começar a escrever é tudo bobagem. Que o que faz a gente escrever são os livros que lemos na infância e as fantasias que deles vieram... É isso aí.
ResponderExcluirParabéns pelo blog, está lindo!
Adorei o texto e acho que o blog foi uma ótima ideia. Sei que vai render bons frutos, considerando todas as leituras que já fizeste e o habitual exercício de pensar (muito) sobre o que lê e vê.
ResponderExcluirMaira
Baleia: nunca esqueci... os outros daquele livro que eu sei que amei quando li, nem lembro muito! Mas Baleia nunca esqueci.
ResponderExcluirMas pensar "nos bichos dos meu livros de estimação" é pensar imediatamente na pomba solitária de Charles Dickens que emprestou suas asas ao príncipe feliz para que suas urgências de solidariedade fossem consumadas. Pagou com a vida. Congelada aos pés da estátua do príncipe já sem nenhum glamour. Nos livros eles são inesquecíveis, na vida real, indispensáveis. Não tenho um, ainda. Mas pego carona nos dos meu amigos. Adooooooro! E o seu Quincas, o mais carente dos caninos, poderia ilustrar quadrinhos tão definitivos quanto os do Garfield ou do Snoopy...
Em tempo: Prá quem ainda não viu recomendo "Sempre ao seu lado". Lindo filme sobre uma quase inacreditável história real.
Queri...a você devo a alegria que meu Bono salva vidas sempre trouxe...zero educação, mas muito querido...e você vou devrr a dor quando me separar dele, já que o trouxe....mas cada minuto vale tudo!! Bonelho...
ResponderExcluirbeijo
Mari