segunda-feira, 12 de julho de 2010

Almas à venda - Dir. Sophie Barthes (2009)


No último domingo, assisti ao filme “Almas à Venda”, cujo título original é “Cold Souls”. É no mínimo curioso imaginar a situação. Durante o ensaio de uma nova montagem da peça "Tio Vânia" de Tchecov, o ator que vai representar tio Vânia vê-se assombrado por uma angústia inominável, carregada de sintomas insuportáveis, que não lhe permite dar o tom ao personagem - tio Vânia não deve ser nem cômico nem trágico. O seu agente, afetado pela sua dramática condição, fala-lhe sobre um tipo de tratamento que pode ajudá-lo, mas ele ignora ambos. No entanto, mais angustiado fica ao chegar em casa e perceber que sua vidinha doméstica mostra-se um grande e inesgotável tédio. Mergulhado nesse desconsolo, nosso protagonista se dá conta que nem de sua mulher ele dá mais conta. Ela está visivelmente insatisfeita. Sem saber direito o que fazer, senta-se numa poltrona e começa a folhear uma revista desassossegadamente. Fato nada surpreendente: ele encontra uma propaganda sobre o mesmo tratamento mencionado pelo seu agente nas páginas da revista. A clínica que presta os serviços chama-se “soul storage” - depósito de almas - e é para lá que, reticentemente, ele se encaminha. O tratamento consiste na extração da alma atordoada do sujeito, retirando de seu ser toda a intranquilidade, os pensamentos obscuros, a tristeza e o medo, deixando em seu lugar um pacífico vazio, um nada. O mais inusitado é que a alma ficará congelada nesse depósito até que o seu proprietário decida resgatá-la. Durante esse período, o paciente fica desalmado. Acontece que, passados alguns dias, da tal da deserção da alma, o camarada começa a se sentir estranho, oco, opaco e passa a desejar suas aflições de volta. Decidido, ele retorna à clínica e reivindica sua alma penada ao médico responsável. Só que o cientista, também assertivo, convence-o de que, reimplantar sua velha alma, seria o mesmo que uma condenação à infelicidade. Preocupado com aquele pobre coitado desalmado, o inescrupuluso médico sugere que ele alugue a alma de um outro alguém. Inclusive, havia uma lista de almas a serem alugadas, como as de cientistas prêmios Nobel, de compositores brasileiros, de poetas russos, entre outras. Mas, para um ator que precisava atuar Tchecov na Broadway, é claro que ele não pensa duas vezes e se atira de cabeça na alma de um poeta russo. No início, tudo parece perfeito. Ele se sai bem na peça, passa a ter desejo pela própria esposa, sente-se renovado com a pregnância daquela alma alheia. O único senão é que decorrido algum tempo - não muito -, tudo começa a ser muito para ele. É muita sensibilidade. É muita vitalidade. É muita voracidade. Resultado: ele volta à clinica porque não consegue sustentar a tamanha subjetividade daquela alma poética e deseja desesperadamente sua alminha sintomática de volta.
O restante do filme não vale a pena contar, é previsível e cabe bem no “american happy end”.
Mas, para quem gosta de psicanálise, já dá o que pensar.
Colette Soler dialoga com esta temática em “L’ídentificacion au symptôme... ou pire” (1999):
“Quando Lacan diz que identificar-se ao sintoma é o que pode ser feito de melhor, ele deixa a entender claramente que há outras possibilidades... piores”.

3 comentários:

  1. A insustentável leveza meu amor...Não há receita!!!! BJK Simone

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  2. Sei não...
    Que sobraria de mim, caso eu ficasse sem tristeza, sem medo, sem vazio? Não serve para mim. Prefiro continuar com meus amados tormentos. Afinal, para o sem-graça está reservada a paciente eternidade. Dela não escaperei.

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  3. E viva o sintoma então...rs que nos protege, por vezes!

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