segunda-feira, 5 de julho de 2010

O que esperar de quem nos espera?


A maioria delas se parece tanto quando se trata de preparos para nos esperar. Muitas se esmeram dentro de suas cozinhas, copiando receitas, errando e acertando sobre as chamas acesas dos fogões. A minha não. Algumas ficam assoberbadas, limpando frestinhas, tapetes e sofás, só para que a casa se mostre para nós com cara de quem se importa com o ilustre visitante. A minha não. Outras tricotam um casaco inteiro se consumindo em horas de trabalho, simplesmente para nos dizer o quanto querem fazer parte de nossas vidas, pois, inevitavelmente, toda vez que vestirmos aquilo que foi um dia apenas um novelo de lã, pensaremos no tempo dedicado a cada ponto intermediado por aquelas mãos tão cheias de afeto. Mas a minha? A minha absolutamente não. Ela não fazia nem tricô nem crochê. Costura, bordados, ponto-cruz? Definitivamente, para o bem ou para o mal, nem pensar. A minha me esperava com recortes de jornais guardados desde a última vez em que estivesse estado lá. Eram páginas e mais páginas que, uma vez lidas por ela, eram cuidadosamente ocultadas em um lugar seguro, a fim de evitar que algum sujeito insano, não percebendo que havia mais vida nas palavras impressas dentro daquelas páginas do que fora delas, decidisse que aquele monte de papel velho deveria ir para o lixo. Era disso que ela gostava e era isso que ela tinha para me dar. Fui entendê-la muito mais tarde. Na verdade, foi só na hora de esvaziar seu apartamento. Foi só naquele dia que me dei conta de que o seu singular acervo de jornais amarelados, criteriosamente selecionados especialmente para mim, era a sua melhor declaração de amor e, definitivamente, minha herança mais fecunda.

5 comentários:

  1. Nunca imaginei ver parte da minha história de vida tão bem escrita por outra pessoa. A minha também me esperava com recortes e páginas de jornal com tudo aquilo que ela percebia que poderia me interessar. Acho que muito antes de falar-se em palavras chave no sites de busca, ela já havia compreendido essa lógica. Parabéns o texto está lindo, agora é esperar o próximo.
    Maira

    ResponderExcluir
  2. Salve.
    Compreender o outro está em nós, sempre. O que ele originalmente tencionava não está a nosso alcance, pelo menos integralmente. Ao nos deparar com evidências vamos interpretá-las à nossa luz. Mais importante que o fato e conteúdo em si, talvez seja a emoção da descoberta da forma e intensidade com que éramos lembrados e desejados e a frustração das perguntas que não podem ser respondidas ou correspondidas. Quando isso se transforma em culpa, advém a tristeza e a melancolia. Quando canalizamos essa energia para fora, usamos como combustível para nossa aventura máxima que é a vida. Alea jacta est... os outros passarão, eu passarinho.
    Jorge.

    ResponderExcluir
  3. Busquei em minha memória e lembrei de quando isso aconteceu. Agora, lendo "seus sentimentos", percebi o quanto essa declaração de amor foi o melhor presente que alguem poderia te dar. Texto lindo! Parabens amiga!

    ResponderExcluir
  4. Pois é... da aridez das vidas de nossas mães recebemos bem mais do que elas tinham prá dar. Parece que isso determinou bastante quem somos... Ainda bem que pudemos perceber a tempo de desfrutar dessa constatação.

    ResponderExcluir
  5. Lindo!! Adorei descobrir em você este talento para escrever...
    beijos
    Mari

    ResponderExcluir