Domingo, quatro e meia da tarde, ligo para minha parceira de cinema dizendo que estou saindo de casa para pegá-la. Avisada desde o dia anterior, ela sabia que haveria uma única apresentação do filme que eu esperava ansiosamente que entrasse em circuito às seis horas. O filme? “Só dez por cento é mentira”, documentário sobre Manoel de Barros - poeta mato-grossense.
Sei que esse horário é um tanto inusitado, pois costumamos pegar as últimas sessões de cinema. Claro que minha amiga não estava pronta. Insistiu para que assistíssemos a um outro filme, reclamou, repetiu que eu era chata, etc. Eu bati o pé, e bem reacionariazinha, disse: eu te avisei ontem sobre o horário, não tem desculpa. Fui.
Ficamos de mal por uma semana. Na verdade, só até a próxima sessão de cinema. Mas o fato que faz valer contar essa história não foi esse. Acontece que ao entrar na sala do cinema ainda toda iluminada, passo por alguém mais adiantado que eu, que sentado sozinho numa poltrona do corredor, devorava o livro do Manoel de Barros; uma edição especial que estava esgotada nas livrarias. Curiosa, de soslaio, volto meu olhar para aquele livro, meio indignada por estar na posse de outras mãos que não as minhas, e reconheço o proprietário das mãos que seguravam aquele objeto precioso: um amigo de alma que não via há longa data. Chamei seu nome. Foi surpresa em dose dupla. Ficamos os dois numa felicidade só. E ainda por cima, ambos compartilhando da mesma paixão pelo querido poeta de cabeleira branca.
Saímos do cinema como se tivéssemos tirado a sorte grande. Fomos tomar um café, contar um pouco do que aconteceu durante os quase seis anos em que não nos víramos e marcar os próximos encontros.
Isso foi há uns seis meses. Desde lá nos encontramos, pelo menos uma vez por semana. Como um obsessivo consegue infalivelmente enlaçar o outro nas suas idéias obsessivas, ele aderiu ao meu cinema “sempre aos domingos”. A dupla virou trio. E o melhor de tudo isso, quando o assunto é cinema, meu amigo consegue ser mais pontual do que eu. Tudo de bom!
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