domingo, 7 de novembro de 2010

Para não dizer que não falei de mim


Se eu quiser falar de mim mesma, vou precisar recorrer ao que alguém já disse. Para me retratar uso e abuso das palavras, deslizo metonimicamente de um termo a outro, acentuo o que diz mais de mim, atenuo o que pouco diz, faço pontuações mirabolantes, até invento inflexões, modifico ou crio palavras, numa tentativa exaustiva de dizer quem sou eu. Diariamente me pego nessa preocupação. Quando estou dirigindo para a análise, busco eleger as falas que possam melhor descrever o que estou sentindo. É outra frustração. Quando chego lá, ou já esqueci as frases eleitas ou involuntariamente começo a falar de outra coisa. A sensação é sempre a mesma. O que disse não foi suficiente para me representar ou não disse, precisamente, o que acredito que poderia me desvelar. Assim, resta ler, escutar e ver livros, músicas e filmes que, sem consentimento prévio, tomo emprestado como metáforas de mim. Óbvio, é só mais uma tentativa. Imagino quantas pessoas se veem identificadas com a mesma música que eu e que também pensam que aquela canção poderia ter nascido de dentro de suas entranhas. E os filmes que trazem personagens que se parecem comigo ou assemelham-se às histórias que eu acho que vivi? Como diz Pessoa, são tantos que se enxergam da mesma forma, que não poderia haver tantos iguais. Ainda assim, mesmo que de maneira insuficiente ou dispersa, são as obras de arte que melhor se prestam à inesgotável tarefa de revelar quem eu sou. De acordo com Lacan, para dizer sobre nós mesmos é preciso que nos tomemos como objeto de observação e análise, o que é impossível, pois nesse caso deixaríamos de ser sujeitos. Que fazer então? Contentar-se com a miséria de signos que podem nos representar e, portanto, responder precariamente sobre o nosso desejo. Se nos sabemos só uma parte, quando muito uma metade, podemos apenas especular o objeto do nosso desejo, arriscando-se à inexorável pobreza de um desejo realizado.

2 comentários:

  1. Para falar de si mesma, acredito que quanto mais auto-critica melhor.dessa forma deixamos as vaidades de lado e quando recebos um elogio, já estaremos no lucro.
    Também não tenho uma definição correta sobre quem eu sou, a única certeza é de que apesar de ser uma pouco estranha,cresci com a integridade, educação e respeito ao próximo ensinado pelos meus pais.
    Como já comentei com contigo antes: decifra-me ou psicanalizo-te!!! beijos para ti minha amiga, tão
    diferente, mas tão parecida comigo. Boa semana

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  2. Oiii!!!! Pois é, fiquemos com o sujeito pós-moderno, multifacetado, todo atravessado, extraviado, mais lugar e menos sujeito.
    Deixa essa coisa de "quem sou eu mesmo?" pra esse povo cartesiano. beijos

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