sábado, 18 de setembro de 2010

Solidão


Solidão.
Tema inesgotável. Condição de quem se sabe humano. No dicionário, a definição é pobre, simplista, concreta, unívoca – bem solitária. É na filosofia e nas artes que o termo ganha enlevo. Nessa seara, a solidão recebe a dose de abstração e subjetivação que merece. Basta pensarmos a diferença abissal que existe entre solidão para um bebê no berço e para um velho num asilo. Solidão entre ficar em casa, quieto, concentrado, lendo ou escrevendo – atividades em que a solidão é extremamente bem-vinda - e estar acamado num hospital. Nem Einstein daria conta de tanta relatividade... Por essa razão, pensadores e artistas conseguem apenas tangenciar o seu significado, sem nunca, nem de perto, abranger o seu pleno sentido. Existe um tipo de solidão, recurso sem igual para poetas e compositores, que está, inequivocamente, vinculada ao amor e aos seus amantes. É matéria-prima da melhor qualidade para promover inspiração. Ao contrário do que ingenuamente pensamos, esta é a menos nociva. É uma solidão preenchida de recordações, de figuras, palavras, músicas, filmes e, além disso, dá muito o que falar. Faz a festa de psicólogos e psiquiatras. O que parece ser um grande paradoxo, é que na verdade, este tipo específico de solidão funciona justamente como uma barreira contra a solidão. A pessoa está sempre acompanhada, seja pelos seus próprios pensamentos, sonhos, lágrimas, questionamentos... essa é suportável. Tão suportável, que é motivo de criação. Não faltam canções para saudar este sublime estado: mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão; canta Vinicius. Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho; diz seu parceirinho João Gilberto. Outros intitularam suas canções com ela, como Alceu Valença em Solidão – a solidão é fera, a solidão devora. Canta sua solidão igualmente em Na primeira manhã – Alceu, inspirado pela solidão de sua primeira noite logo após ser deixado pela mulher compôs esse lamento de abandono. Neruda poetiza: saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já...
Porém, há alguns artistas e pensadores, mais sóbrios e solitários, que falam de outro tipo de solidão. A solidão que dói na alma e corrói os ossos. Aquele tipo, insubordinado e atroz, cujo caráter inominável, irrepresentável e incoercível mal cabe dentro da gente. Incomoda, faz barulho, desespera, aflige, alucina. Para esse tipo cruel de solidão, tivemos autores de inestimável lucidez, sabedoria e uma boa porção de tristeza e solitude. Raquel de Queiroz, com aquela maturidade de quem já nasceu velha, diz: a gente nasce e morre só. E talvez, por isso mesmo, que se precise tanto viver acompanhado. Clarice Lispector, com seu estado de alma sempre melancólico, conclui: e ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a verdadeira solidão. Mario Quintana, bem pessimista aqui, escreve: viajar é mudar o cenário da solidão.
No entanto, descobri algo interessante escrevendo esse texto. Os mais niilistas dos filósofos, são otimistas quanto à solidão. Schopenhauer afirma: solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais. Nietzsche: minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas... detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia.
Dentre todas essas percepções, fico com a de Clarice.
Muito a refletir... Solidão? Aprecie com moderação.

5 comentários:

  1. Nietzsche definiu a minha opinião.
    Um dia desses ouvi uma uma música do compositor Uruguaio Jorge Drexler cantada por Maria Rita.
    Confesso que chorei,sou uma solitária conformada.
    abaixo a letra:
    Soledad
    Maria Rita
    Composição: Jorge Drexler

    Soledad,
    Aquí están mis credenciales,
    Vengo llamando a tu puerta
    Desde hace un tiempo,
    Creo que pasaremos juntos temporales,
    Propongo que tú y yo nos vayamos conociendo.

    Aquí estoy,
    Te traigo mis cicatrices,
    Palabras sobre papel pentagramado,
    No te fijes mucho en lo que dicen,
    Me encontrarás
    En cada cosa que he callado.

    Ya pasó
    Ya he dejado que se empañe
    La ilusión de que vivir es indoloro.
    Que raro que seas tú
    Quien me acompañe, soledad,
    A mí, que nunca supe bien
    Como estar solo.

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  2. A solidão se sente acompanhada pelos nossos Quintana, Drummond, Pessoa, Cecília, enfim aqueles que de alguma forma traduzem nossos sentimentos, comungando com a humanidade a inquietude dos que tentam compreender...BJK

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  3. Acho que é do Quintana uma outra "o pior dos problemas da gente, é que ninguém tem nada com isso!", quer solidão maior?!
    beijo

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  4. Solidão Vista pelo Chico Buarque


    Solidão não é falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo...
    Isto é carência...
    Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar...
    Isto é Saudade...
    Solidão não é o retiro voluntário que agente se impõe, as vezes, para realinhar os pensamentos...
    Isto é equilíbrio...
    Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsóriamente para
    que revejamos a nossa vida...
    Isto é um princípio da natureza...
    Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
    Isto é circunstância...
    Solidão é muito mais do que isto. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa Alma.

    Francisco Buarque de Holanda

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  5. Sobre solidão há muito que falar, muito que sentir, muito que sofrer: sempre. Mas o destaque, aqui, é todinho desse texto maravilhoso. Você está cada vez melhor!

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