sábado, 18 de dezembro de 2010

A sustentável leveza da mala


Viajaria no dia seguinte e ainda não havia feito a mala. É no singular mesmo, não importa se serão quarenta e cinco dias ou dois, a mala é uma só. Sob certos aspectos, isso poderia significar estar subjetivamente mais afinada com o comportamento masculino do que com o feminino. Porém, não é bem assim. Não sou econômica com o tempo que gasto, na verdade ganho, no meu banho, tomando o meu café ou lendo o meu jornal. Minha economia resume-se às coisas que carrego dentro de uma mala. Tanto faz ir a Porto Alegre para um fim-de-semana ou aventurar-me por um mês em um lugar gelado. Porto Alegre, então, nem se fala. Lá, uso e abuso das roupas e calçados da minha irmã. Geralmente, vou só com a roupa do corpo. Pura preguiça e, claro, é muito bom o aconchego de ir para uma casa que sinto como se fosse a minha. Antes mesmo de ler Borges, já viajava “leve”. Não por consciência poética. É preciso nascer com alma para isso. Mas pelo fato de que não ter que pensar no que levar e carregar poucos pertences me proporciona uma deliciosa sensação de liberdade e independência. Aliás, meu estilo, ou falta de, já deu o que falar. Uma vez, no salão de beleza, sentada esperando para cortar o cabelo, o cabeleireiro me perguntou antes de passar a tesoura: “qual é o teu estilo?”. A amiga que estava comigo conta que eu parei, pensei, olhei para o espelho, olhei para ele um tanto sem graça e respondi: “meu estilo... meu estilo é meio assim... um pouco sem luxo, sabe?” A história foi compartilhada e, às vezes, esse “muito sem luxo” é aplicado indiscriminadamente a várias situações. Resumindo, arrumo minha mala no dia mesmo de viajar. Algumas vezes, apenas umas horinhas antes de sair de casa. Mas, por que falar disso? Sim, é claro, por que isso nem sempre sai barato. Já passei por muito embaraço. Fui a um evento onde a única mulher a usar calças ao invés de vestido de festa era eu. O pior, não tive como dar meia-volta, a anfitriã já havia me visto. Desconforto total. Hoje, em Zürich, onde mulheres e homens parecem estar desfilando em uma passarela constantemente, estou meio deslocada de novo. Cabelos lisos, louros e diligentemente arrumados, peles maquiadas, pescoços longos enrolados por cachemires coloridas, casacos saídos da capa da Vogue, ruas perfumadas pelas moças que passam. E eu aqui, muito sem luxo. Cheguei do jeito que vim, sem saber ainda com que roupa eu vou para me misturar a esse povão suíço, com seus cinco idiomas, com seus queijos furados, sua sofisticada variedade de chocolates e moeda própria. É, a Suíça não aderiu ao Euro, essa moedinha sem luxo. Parece que não fazer parte da Comunidade Européia e empenhar-se em manter seus Francos Suíços, seja a estratégia que proporciona aos suíços a desejada sensação de liberdade e independência.

3 comentários:

  1. Adorei ler esse texto, vi nele uma tentativa de defender um "estilo sem luxo", mas o texto é um luxo...rs. A impressão que tive foi de te ver na minha frente fazendo esses comentários e contanto coisas. Ah, como diz minha amiga Rochele,"que saudade miserável".
    Bjs.

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  2. Marcia,
    Esta falta luxo, ou a simples preguiça é nada mais que a nossa invenjável liberdade de vestir o que for mais confortável.
    eu por exemplo,nas minhas folgas aqui na tua casa passo o dia descalça e de pijama,é pijama mesmo, apesar de ser verão e fazer um calor infernal, eu tenho aquela famosa pressão baixa. Lembra? "She is muerta!!! quando viajo a trabalho o único item indispensável é meu par de tênis, duas camisetas e uma bermuda.isso pra um voo de 5dias.não é o máximo não ter pesos extras pra carregar,além das nossas preocupações???

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  3. Adorei Marcinha!!!!
    A Sustentável Leveza é você!!!!
    Bjsssssssssssssssssssssssssssss

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