segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Realidade

Hoje meu mundo amanheceu mais pobre. Minha casa ganhou metros quadrados e silêncio, meu tempo devolve-me horas ao acaso, meu pensamento pode incorporar novos sonhos e projetos, meus pés estão prontos para pisar em outros territórios, e, ainda assim, meu mundo está infinitamente mais pobre. Hoje o dia clareou mais cedo e trouxe com ele um espantoso excesso de realidade. O foco e a nitidez das imagens são de uma exatidão desconcertante. A lente é ultrassensível e precisa, não há tremor nas mãos que a faça perder o foco, embaralhar ou embaçar as imagens. As cores, as formas e os tamanhos são extravagantemente reais. Não há vultos, sombras ou sujeiras. Nada se mistura. Nada está irreconhecível. Nada engana. Passado e presente não se confundem, meu olho consegue discriminar tudo. A crueza da luz e o abuso das cores poderiam até cegar. Pena, mas não, meu olho nu se aguça ainda mais. Fulvio, amigo ultrassensível como a lente de que falo, tenta me advertir: Marcia, a realidade não dialoga, a realidade é um monólogo. Secura na boca, traqueia estreita. E, com isso, ponho minha viola no saco, engulo a sentença e fecho os olhos para dormir, pois meu sono hoje tem o silêncio da casa grande e o relógio alargador de horas.

Um comentário:

  1. Márcia, passei hoje pelo seu blog. Que lindo! Que contente que fiquei ao ler seus novos textos!

    Um abraço!

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