sexta-feira, 8 de abril de 2011

Resta a alegria

Arnaldo Jabor, por intermédio do avô vivido por Marco Nanini em seu mais recente filme, afirma categórico, num misto de resignação e encantamento, que a felicidade não existe. O bem possível, passível de merecer algum crédito, é a alegria.
Alguns se perguntariam: mas qual a diferença entre felicidade e alegria?
O que discrimina felicidade e alegria? Quais os signos que estariam presentes numa e noutra?
Arriscando um palpite, acredito que a felicidade seja um bem supremo. É alcançada quando todos os nossos órgãos estejam em silêncio, isto é, sem qualquer espécie de dor ou desconforto, que a nossa mente esteja num estado perene de contentamento, nosso coração inchado de amor e bondade e o nosso espírito envolto em uma nuvem clara de paz e harmonia. O que falta? Ah, faltou falar do prazer. Os prazeres da mesa, do sexo, das emoções intensas.
Já a alegria é bem menor, não tem como premissas nem a perenidade, nem a constância, nem a plenitude. É impermanente, incompleta, instável, perecível, fugidia. Pode durar só alguns minutos, com sorte algumas horas, quase um milagre se durar alguns dias. É preciso estar atento as suas aparições. Muitas vezes, ela dá as caras sem nenhum aviso prévio. Quando você se dá conta, está alegre. Acorda de manhã e o café de todo dia vira o melhor café que você já tomou. O jornal de todo dia, jogado no chão do lado de fora da porta, se transforma em um presente. Abrir as janelas torna-se uma dádiva. Respirar, enxergar, ouvir, falar tem outra dimensão. É como se estes atos mecânicos, pela primeira vez, fossem reconhecidos como bem maior.
A grande questão é que fomos preparados para aguardar pela felicidade. Nos votos de qualquer comemoração está sempre impressa a palavra “felicidade”. É Feliz Natal, Feliz Aniversário, Feliz Dia disso ou daquilo. A felicidade está associada à conquista de todos os bens num mesmo período de tempo, algo da ordem do impossível. Há um elemento no projeto que vai estar ausente, e quando este se apresentar, outro faltará. Assim, a felicidade estará inevitavelmente deslocada para o porvir. “É só amanhã...” como diz Pessoa.
A alegria é bem mais tangível. Sua trama é feita de material menos nobre. Suas razões, quando existem, não têm relação com seu produto. Muitas vezes, nem há produtos. A alegria é improdutiva, não pretende nada, não se prende ao futuro, nem se sabe se tem serventia. Ela se dá nos intervalos, é peregrina, plástica. Quando se manifesta faz com que a cara toda ria, os olhos encham-se de água boa, os pulmões quase se afoguem, o coração se alargue. O corpo todo se alegra, as células batem palmas, sente-se um bobo, pueril, deliciosamente desatarraxado dos propósitos.
Esqueça a meta inatingível e extenuante da gulosa felicidade, que quer tudo, que quer mais. Deixe-se apreender pelos modestos e imprevisíveis momentos de alegria: bem de menor grandeza, mas de possibilidade tocável.

“Eu vou te dar alegria... eu vou raiar um novo dia... e cantar e cantar e cantar...” Arnaldo Antunes em Alegria

2 comentários:

  1. belo texto, queria estar sentindo pelo menos a perene alegria...pois Felicidade eu não conheço.
    blue

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  2. O texto está bem argumentado, tenho estudado muito sobre o assunto e ouvindo o Café Filosófico onde se vê realmente que devemos pensar sobre o que é a Felicidade. Cynthia

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