sábado, 5 de fevereiro de 2011

Medo do medo


O medo é o estado que nos põe em posição de alerta frente aos perigos, permitindo-nos continuar vivos. Sabemos há longa data disso. Sem que temêssemos as doenças, descuidaríamos de certos cuidados com a saúde e estaríamos arriscando perder a vida. Atravessar uma rua movimentada sem o medo de ser atropelado, coloca igualmente nossa vida em risco. Tudo compreensível até então.
Mas o que dizer do medo de sentir medo? Ouço esse refrão constantemente nas falas de meus pacientes. Muitas vezes, está tudo na mais santa paz e o sujeito tem medo de perder a paz que conquistou. Outras vezes, assombra-se de medo de não encontrar um amor, aí quando encontra, apavora-se ao pensar que uma rajada de vento possa levar embora o amor que demorou tanto para chegar.
Em alguns casos, os medos são tão descabidos, que o próprio sujeito reconhece a impertinência daquele medo, mas ainda assim, não consegue silenciá-lo.
O ruminar dos medos faz adoecer e deixar de viver. Grande paradoxo, o mesmo medo que preserva a vida é o que impede que se viva.
Conheci um homem, que amargava um verdadeiro pavor de perder seu patrimônio financeiro. Quanto mais temia, mais dinheiro fazia e, segundo o próprio, mais acumulava para temer perder.
Outra morria de medo de ser traída. Vasculhava roupas, agendas, telefones, na ilusão de encontrar algo que incriminasse o marido. Nunca conseguiu confirmar suas suspeitas, mas não deixava de temer o abandono.
Uma adolescente ficava aterrorizada ao ver um cachorro. Já não saía mais de casa, a não ser de carro, com medo de dar de cara com um desses quadrúpedes de focinho molhado passeando pelas calçadas. Algum episódio envolvendo cachorros na sua história? Absolutamente não. O que poderia ser? Inúmeras hipóteses, mas nenhuma que legitimasse, na fantasia, sua intimidação por um cão.
Porém, o medo que mais intriga é o medo do medo. Quem sofre de crises de ansiedade, sabe bem o que é isso. O medo arrebata, toma conta, rouba a razão, desconcentra e descontrola, aniquila. Depois de apagado o incêndio, feito o rescaldo, o que resta? O medo. O medo ressurge das cinzas. Não é mais o mesmo medo do momento da crise. É um medo de outra ordem. Medo de que a situação de medo retorne. Um beco sem saída. Já ouvi um relato, onde o sujeito dizia preferir estar dentro da crise, por conhecer sua extensão e seus efeitos, do que fora dela, por não saber com que intensidade o medo o possuiria.
Dizem os românticos que o único antídoto contra o medo é o apaixonamento. Na paixão, as pessoas sentem-se potentes e inatingíveis, imunes a qualquer intempérie. Os amantes e amados costumam viver daquele sentimento desassossegadamente delicioso. A paixão é onipotente, auto-suficiente, petulante. O medo até compete com a paixão, mas perde. Vide as loucuras que embarcam aqueles que se deixam cair nas teias da paixão - "fall in love". Só tem um detalhe, esse destemor só dura o exato tempo em que a paixão transita entre os amantes.
Depois disso, o medo retorna e volta a incomodar, mas sem nome nem endereço, como uma carta sem remetente.
O fastio do medo empobrece o universo. Não há olhares de encantamento para noites enluaradas ou para réstias de sol pela porta entreaberta. O medo desgasta, corrói, desanima, reduz a proporção do bom e alarga a do ruim.
Ao longo da vida vamos sedimentando alguns medos antigos, adquirindo novos, deslocando para outros medos aqueles que não fazem mais sentido, armazenando nossa coleção em inúmeros compartimentos, até que um dia chega o dia do dia final, derradeiro, em que vamos perceber que uma montanha de medos não foi capaz de nos resguardar do “pior”. Quantos tolos medos, quanto sofrimentos à toa, quanto desperdício daquela substância boa que corre entre os neurônios.
Dá muita pena muito saber e pouco poder fazer quando se trata do medo. Ele tem autonomia, autoridade e passaporte, acompanha-nos aonde quer que estejamos, no Timor Leste ou ali na esquina, ele não respeita fronteiras, raça, sexo ou idade. Uma qualidade do medo devemos reconhecer. Dos sentimentos é o mais democrático e soberano, disso jamais podemos nos queixar ou lamentar.

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